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Toda cidade possui suas próprias histórias. Histórias tristes e alegres, algumas eternas e outras incompletas. O Rio de Janeiro e suas ruas – “ruas com almas”, como falava João do Rio – também possui as suas. Uma em especial toca fundo o coração do carioca e do brasileiro: a do Palácio Monroe.
O Palácio Monroe foi um importante edifício que entre 1906 e 1976 reinou absoluto como uma das mais belas e imponentes construções da Cinelândia, região central do Rio de Janeiro.
Sua história começa em 1903, quando o Brasil se preparava para participar da Exposição de Saint-Louis, nos Estados Unidos, que aconteceria no ano seguinte. A obra seria o Pavilhão do Brasil no evento, devendo enquanto tal “ter aproveitada toda a estrutura, de modo a poder-se reconstruí-lo nesta Capital”, conforme exigia a cláusula 1ª do Aviso nº 148, datada de 3 de julho de 1903.
A obra foi concebida pelo então arquiteto e engenheiro militar, o Coronel Francisco Marcelino de Souza Aguiar. Construída com uma estrutura metálica desmontável, a obra foi erguida e exposta em Saint-Louis, como previsto. Sua beleza logo conquistou a imprensa norte-americana, que destacou sua harmonia de linhas e qualidade do espaço. Tanto chamou a atenção no evento, que acbou premiada com a medalha de outro no Grande Prêmio de Arquitetura, o maior do gênero naquela época. Foi o primeiro reconhecimento internacional de uma obra arquitetônica brasileira.
Os prêmios e elogios conferiam orgulho a então capital do Brasil, que naquele início de século esforçava-se para mudar sua imagem de capital suja, caótica, violenta e desordenada, até então predominante no imaginário internacional. Com a ajuda do prefeito da cidade Pereira Passos , o então presidente (1902-1906) do Brasil, Rodrigues Alves, estava empenhado no projeto de modernização da capital, o que incluida sua urbanização e higienização completa. Becos foram demolidos, ruas alargadas e prédios levantados.
Tudo isso fazia parte da montagem do imaginário da ainda incipente República brasileira. De acordo com o historiador José Murilo de Carvalho, “a elaboração de um imaginário é parte integrante da legitimação de qualquer regime político. É por meio do imaginário que se podem atingir não só a cabeça, mas de modo especial, o coração, isto é, as aspirações, os medos e as esperanças de um povo. É nele que as sociedades definem suas identidades e objetivos, definem seus inimigos, organizam seu passado, presente e futuro.”
Na ocasião da entrega das medalhas e diplomas Conferidos aos Espositores Brasileiros em Saint-Louis, o político brasileiro Alcindo Guanabara declarou: “Esta festa é ainda a solenização de um princípio político vitorioso. A República havia, é certo, triunfado das agitações e das lutas intestinais; havia, com muito maior facilidade do que a Regência, dominado a desordem nos espíritos, tantas vezes traduzida em movimentos armados; havia saído vitoriosa da prova dificílima da reorganização financeira, graças à dedicação sobre sua capacidade para gerir os destinos desta grande nação e encaminhar o seu povo para a prosperidade, para a grandeza, para o regresso que a parte do globo que ele habita lhe impõe, essa, a República só a deu na Exposição de São Luiz. Foi um prodígio e uma maravilha para o Brasil essa exposição.” O Palácio brasileiro apresentado em Saint Luis, em breve, faria parte significativa do imaginário brasileiro. Desmontado após o evento nos EUA, a estrutura foi trazida para o Brasil e montada na capital, a fim de sedir a Terceira Conferência Pan-Americana. Seguindo sugestão de Joaquim Nabuco – jurista e diplomata brasileiro – o ministro das relações exteriores do páis, o Barão do Rio Branco, propôs que o Palácio de Saint-Louis fosse dado o nome de Palácio Monroe, uma homenagem ao presidente norte-americano James Monroe, criador do Pan-americanismo.
O nome pegou e a construção foi erguida na região da cinelândia, coração do Rio de Janeiro. Em sua inauguração, a cidade viveu momentos festivos, recebendo, inclusive, a vistia do presidente americano Theodore Roosevelt.
Até 1914, o Palácio Monroe foi apenas um Pavilhã
o de Exposição. Mas a partir deste ano, ele ganha uma função mais importante: passa a ser a sede provisória da Câmara dos Deputados, enquanto o Palácio Tiradentes era construído. Em 1922, com o fim das obras, e comemorando o primeiro centenário da independência, o Palácio Monroe passa a ser a sede do Senado Federal. O edifício teve esta funcionalidade até 1960, quando a capital foi transferida para Brasília. Sua presença fascinava os moradores do Rio de Janeiro e seus visitantes. Foi palco de diversas desavenças políticas, como, por exemplo, o período do Estado Novo (1937-1945), quando o Senado fora dissolvido por Getúlio Vargas. O Palácio Monroe instalara-se como símbolo da República, parte quase natural do cenário da cidade.
Sua imagem estava em selos e cartões postais da cidade. O lugar no imaginário carioca e brasileiro havia sido conquistado.
A construção se destacava por suas dimensões e estética. Tratava-se de 1700 metros quadrados, ampliados nos anos de 1950. Os elementos de sua composição arquitetônica reuniam uma linguagem geral do ecletismo, num híbrido entre o liberal e outras vertentes arquitetônicas que marcaram época no Brasil.
O começo do fim
Nos anos de 1960, o palácio – que ainda guardava seu prestígio e glamour junto à sociedade – passou a ser a casa do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA), instituição de respeito, principalmente naquela época, em que os militares acabavam de tomar o poder no país.
Por volta de 1970, tem início um movimento de preservação histórico cultural da cidade. Vários edifícios da Avenida Rio Branco, na cidade do Rio, entraram com pedidos de tombamento federal, a maior parte negada pelo IPHAN, o que fora conseguido apenas no âmbito estadual. O Palácio Monroe era um dos que pediam a proteção arquitetônica. Diversos casos transformaram-se em uma verdadeira batalha judicial naqueles anos.
Neste momento, começava também uma vasta obra do Metrô da cidade. As obras faziam de tudo para desviar das fundações do Palácio. E isso fazia com que o cronograma do Metrô atrasasse. O Governo Estadual, pressionado por setores da sociedade, decreta a demolição do Palácio Monroe. Neste momento havia uma grande campanha de mobilização pró-demolição no país, reunindo arquitetos modernistas como Lúcio Costa e instituições como o jornal OGLOBO, que atacava o palácio veementemente em seus editoriais. Aqueles que eram contra o Palácio alegavam, dentre outras coisas, que ele atrapalhava o trânsito. A campanha também foi abraçada pelo então presidente Ernesto Geisel, que alegava - há alguns anos - que o Palácio prejudicava a visão do Monumento aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, localizado no Aterro do Flamengo.
O assunto mobilizou e comoveu o país. Cento e sessenta e dois arquitetos, engenheiros e críticos de arte divulgaram um manifesto contra a demolição do palácio, embora soubessem que haveria pouca esperança. ''Desejamos apenas firmar perante nossos sucessores que a demolição do Monroe provocou advertência e veemente apelo para que fosse evitada a destruição de um edifício que, além da significação histórica, integra o patrimônio arquitetural representativo do implante da república em nosso país'', diz a abertura do manifesto. Além dos famosos e especialistas no tema, a opinião pública também se dividia. E isso era observado na seção de carta dos leitores, em jornais como OGlobo e Jornal do Brasil. Se no início de século o Palácio Monroe era símbolo da modernização brasileira, setenta anos depois sua demolição era proclamada em nome de um novo modelo de modernização.
Como era previsível, o grupo que defendia a demolição do Palácio saiu vitorioso. Em 11 de outubro de 1975, o Presidente Ernesto Geisel autorizou o Patrimônio da União a providenciar a demolição do Palácio Monroe. As toneladas de areia, metal e concreto do Palácio Monroe vieram abaixo em 1976. E seu lugar foi construído um chafariz que, apesar de monumental, não teve o mesmo sucesso da obra que o antecedeu. No mesmo ano, as obras do metrô foram concluídas, e toda vez que se fala na demolição do já mítico Palácio Monroe, o Metrô é citado como o estopim do caso. Pelo menos é isso o que consta na memória coletiva. Na verdade, os responsáveis pelo metrô sempre tentaram fazer de tudo para preservar o Palácio. No fim, foi até com grande frustração que os técnicos da Companhia viram a demolição, já que seus sacrifícios em desvios e adaptações tinham sido em vão.
Hoje, muitas gerações nunca ouviram falar no Palácio Monroe. Mas para aqueles que o conheceram, sua memória continua viva, representando parte da alma de um Rio de Janeiro que, apesar das demolições, físicas e simbólicas, ainda continua lindo, povoando o imaginário de toda uma nação.